ArPa 2025

ArPa 2025

28 mai 25 - 01 jun 25

O Clube de Colecionadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo foi fundado em 1986 com o objetivo de estimular a produção artística contemporânea, além de incentivar e democratizar o colecionismo de arte. Perto de completar quarenta anos, é o programa institucional mais longevo do museu, que preserva em sua coleção permanente exemplares de todas as edições já realizadas. A trajetória extensa e experimental do Clube se iniciou com um ateliê de gravura que logo envolveu artistas que vinham de outras linguagens, como a pintura e a escultura, além de pesquisas conceituais. O programa também se especializou em mais frentes com a criação do Clube de Fotografia e o Clube de Design, mantendo a proposta de exploração artística no contexto de uma tiragem limitada de reproduções. Essa abordagem foi reformulada com a unificação do Clube em 2022, resultante do reconhecimento sobre a qualidade polivalente e multidisciplinar da produção artística brasileira.

Na ArPa de 2025, o MAM São Paulo destaca em seu estande o conjunto da edição atual (2024-25) e uma curadoria de edições das duas últimas décadas, abordadas através da relação dinâmica entre figuração e abstração. Com as produções de André Ricardo, George Love e Lucia Laguna, o Clube de Colecionadores do MAM reuniu em sua edição atual artistas de gerações, pesquisas e linguagens distintas, que se aproximam pelo interesse por elementos ambientais e suas propriedades formais, abordadas ora como referências figurativas, ora como meios de abstração.

A figuração e a abstração são noções que se informam e se tensionam na arte em uma dimensão fundamental. Se, por um lado, a representação da aparência das coisas, dos corpos e das formas existentes no mundo, sejam elas idealizadas ou não, constituiu um paradigma de realidade na arte, por outro lado, o abstracionismo introduziu a certeza de que a ausência da lógica representacional ou figural não implica em um distanciamento do real. Dentre os inúmeros comissionamentos realizados pelo Clube de Colecionadores do MAM São Paulo ao longo de sua história, a curadoria selecionou para a ArPa 2025 algumas edições que permeiam e jogam com as fronteiras entre a figuração e a abstração, especialmente através de ambiguidades e relações simbólicas estabelecidas no interior das imagens. Algumas obras poderiam ser fácil e exclusivamente inseridas na lógica figurativa, mas a experimentação com procedimentos técnicos, conceituais e compositivos, combinadas à representação de corpos, paisagens e objetos, abre caminho para reflexões que não dependem de um repertório visual específico, mas sim de uma sensibilidade estético-visual ampla. Na serigrafia de Yuri Firmeza, a imagem de um corpo flutuando ou boiando em um espaço escuro foi produzida a partir de uma película de Super 8, que confere uma granularidade capaz de diluir a figura no espaço, reintegrando e mobilizando-os continuamente, como uma holografia ilusória. Na xilogravura Cariri, Efrain Almeida reproduziu autorretratos de artistas da Lira Nordestina, a mais antiga gráfica de cordel do Brasil, localizada em Juazeiro do Norte (CE), em uma composição de identidades físicas diversas, que destilam simbolicamente a memória de uma tradição artística viva. Em Reflexus, José Rufino também aborda a relação entre memória e identidade, mas através de um gesto que, no lugar da representação de uma figura integral, realiza o rastro de uma aparição subjetiva como dado dramático da sua ausência. Na gravura Um futuro construído, de Lais Myrrha, a figura central de uma faca em meio a fragmentos de imagens faz alusão ao procedimento violento do corte, que, no contexto da construção de uma imagem, incluindo aquela de um espaço-tempo porvir, denuncia a sua condição de não-neutralidade permanente. Na obra de Elida Tessler, a interação do espectador é possível pela sua funcionalidade evidente — uma caixa de fósforos que, ao serem riscados, realmente produzem luz —, mas a consequência dessa interação é justamente a não preservação do objeto de arte, que se aprofunda com a consideração de que cada fósforo representa uma obra literária citada no roteiro da adaptação cinematográfica de Fahrenheit 451.

Outras edições do Clube do MAM selecionadas para a feira podem ser consideradas, à primeira vista, imagens abstratas, mas a atribuição de títulos e a presença de diferentes formas
textuais conduzem as imagens às nossas referências e idealizações pessoais. Em Mácula, Nuno Ramos sobrepôs uma fotografia analógica, capturada em cromo com o foco frontal no sol, gerando auréolas e distorções luminosas, com um texto em braille que coloca em questão a certeza da visão sem o tato. Na gravura de Antonio Henrique Amaral, a imagem se apresenta naturalmente como um campo pictórico ao elaborar uma ordenação de formas e manchas de cor que, ao mesmo tempo, ativam processos de significação figurativa à medida que aludem ao seu título: “Dançantes”. No díptico de Cinthia Marcelle, a linguagem dos cartazes é apropriada por um jogo de metáforas visuais que, apesar de figurativo, é mutuamente informado por textos cuja interpretação introduz ideias exteriores e ambíguas, que fazem referência a trabalhos em vídeo da artista; as imagens são como cartazes de cinema que anunciam um novo lançamento, mas cujo enredo é conceitual. Na obra de Marcelo Silveira, intitulada Grava...tá, a imagem se apresenta no interior de um display manipulável que, ao ser aberto, revela outras imagens, em mais folhas, que podem ser lidas como um livro de nuances, tal como o livro de catecismo herdado pelo artista de onde ele retirou os detalhes de ilustrações que constituem as imagens da obra.


A partir das edições selecionadas para a ArPa, a curadoria do MAM busca levar ao público obras que sinalizam a relevância do seu Clube de Colecionadores na contínuarenovação de questões inerentes e fundamentais da arte.

 

Gabriela Gotoda
Curadoria MAM São Paulo

 

artistas

André Ricardo (São Paulo, SP, Brasil, 1985) | Antonio Henrique Amaral (São Paulo, SP, Brasil, 1935 – 2015) | Cinthia Marcelle (Belo Horizonte, MG, Brasil, 1974) | Efrain Almeida (Boa Viagem, Ceará, Brasil, 1964 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2024) | Elida Tessler (Porto Alegre, RS, Brasil, 1961) | George Love (Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos, 1937 – São Paulo, SP, Brasil, 1995) | José Rufino (João Pessoa, PB, Brasil, 1965) | Lais Myrrha (Belo Horizonte, MG, Brasil, 1974) | Lucia Laguna (Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil, 1941) | Marcelo Silveira (Gravatá, PE, Brasil, 1962) | Nuno Ramos (São Paulo, SP, Brasil, 1960) | Yuri Firmeza (São Paulo, SP, Brasil, 1982)

 

imagens

obras do projeto